Seu corpo debatia-se sobre a cama, como se nesta não lhe houvesse lugar.
Estava sozinho e a solidão o inquietava, o fazia sentir-se frágil – em momentos assim aquelas terríveis lembranças lhe saltavam a mente, frias, dolorosas e aterradoras - tinha de se manter alerta a algum perigo que houvesse a cerceá-lo na intimidade devassada pelos mais pesarosos fantasmas em seu lar.
Vinha-lhe o som cadente das águas, o bater de asas dos morcegos, o arranhar dos ratos nas paredes úmidas, a voz Dela em seus pensamentos, compartilhando com ele seu desespero. E vinham-lhe passos... Passos? Sim, passos. Passos ao longe – seriam novamente os ratos? E vozes. Vozes - distantes e próximas - sussurradas em seu ouvido. Podia sentir o fremir de lábios. Era loucura! Queria que fosse. Antes louco do que aquilo tudo ser... Real. Já era noite, jamais se aventurara a imergir profundamente na escuridão – desde aquela vez - mas, hoje o tempo lhe fugira aproveitando-se de seu breve e descuidado torpor.
Encontrava-se ofegante, em seus sonhos conflitava, o que de terrível se passava em sua pseudo-inconsciência? – nem sempre é a morte o pior destino - Apenas sabia-se assustado, meio adormecido e meio desperto, perdido entre dois mundos: este e o outro em algum lugar de sua atormentada mente.
Seus olhos abriram de repente, intenso, como se um forte impulso o tomasse e o despertasse, ou se reagisse aos chamados Dela.
Mas sua mente a muito não reagia como seu corpo, ainda perdida no passado, naquele lugar há dezesseis anos, no início de seu desvario e perdição. Lorraine, não! Não! Lorraine, pare! Pare! - E ela não parava, não tinha por que parar, ele suplicava em vão para alguém que não mais existia. A coisa que não se sabia morta, apenas desejava sofregamente a vida, com madurecido ímpeto e egoísmo infantil. Foi quando já desistido, que os passos se aproximaram, Albert os ouviu estagnarem diante a bifurcação, onde se dividiram, o então menino não mais tivera forças para gritar, as mãos da criatura contra seu pescoço obstruíam qualquer possibilidade sua de emitir um som. Mais! Mais!- a criatura exigia, mas também sentia a presença dos intrusos que se aproximavam, foi então que, em um gesto quase desesperado, ela o forçou a sair de sua posição fetal, deitando-o de costas e pressionando-lhe o queixo com sua cadavérica mão, preparando-lhe a boca para, então, sugá-lo. Albert sentia seu fluido vital lhe escapar por entre os lábios e Lorraine se tornava cada vez mais forte e recomposta, quase era percebível em suas doces feições demoníacas a aura da pureza novamente, era como se a essência dele a refizesse, lhe mitigasse, de alguma forma diabólica, o sofrimento, como se uma troca profana estivesse sendo perpetrada, sua dor pela dela.
Depois de Einstein o tempo nunca mais fora o mesmo. Os segundos parecem se arrastar com odiosa má vontade nos momentos de desespero, angústia, medo... Quantas eternidades não se terão durado até que eles chegassem. - Olhem, o menino está ali! Será que ele ainda vive? – diziam enquanto rompiam a escuridão com as luzes fortíssimas de suas lanternas, uma delas, notou Albert, incidira direto no rosto da criatura que fugira assustada para as sombras, e desaparecera, como se jamais houvesse estado ali. Albert fora, felizmente ou infelizmente, encontrado e encontraram também o corpo da pequena Lorraine mais adiante, violado, encolhido, decomposto. Albert acordara na manhã seguinte, em um quarto de hospital, sua mãe sentada desconfortada em uma cadeira ao lado de sua cama, adormecera durante a vigília – os Giller jamais se perdoaram por terem quase perdido seu petit, e por muitos anos ainda acordavam durante a noite, quando, assustados, choravam em silêncio.
Não, ele não estava mais dormindo, sua alma retornava lentamente, a ocupar sua detestável matéria. Albert detestava seu corpo físico, detestava todas as percepções que este lhe podia proporcionar e todas as restrições que o mesmo lhe impunha, principalmente. Os outros julgavam-no louco, e iam além, atribuíam-lhe isto ao suposto trauma que vivenciara na infância. Imbecis! Se soubessem...
Albert reluta em voltar, tenta continuar perdido em seus pensamentos, mas aquela vozinha, infantil e fustigante, não lhe permitia mais se sentir disperso. Aos poucos o cenário ao redor lhe alcança nitidez e seus olhos conseguem distinguir os vultos dos objetos, dos móveis, da janela e Dela. Estava ali, parada, ao seu lado, para contemplar, mais uma vez, perversamente seu desespero. Ela sorri, sorrindo é ainda mais repulsiva, e Albert sabia bem que nada lhe adiantaria gritar, pois, sequer quando havia quem o escutasse conseguira livrar-se de sua desdita. Ele então espera trêmulo, irrequieto, apreensivo e dócil que Ela mais uma vez o arrebate, roubando-lhe um muito da vida com seu beijo de treva.
Sentia-se arder ao mesmo tempo em que a gelidez da morte o consumia. Jazia exausto. Ela tomava-lhe o fluido vital com sofreguidão, não era a primeira vez que o fazia e nem seria a última. E diante deste pensamento lhe parecera bastante coerente uma frase que ouvira: Certas certezas são como sentenças.
Texto de k.t.
Nenhum comentário:
Postar um comentário