quinta-feira, 15 de setembro de 2011

DESEJO PROIBIDO



Somos apenas como pequenos grãos de areia diante um miraculoso universo imensuravelmente maior que nossos medos, desejos, certezas... E, ainda assim, há quem se atreva julgar conhecer a verdade, ou alguma verdade, mas o que é possível haver de verdadeiro em um tudo que assim como o nada pode sequer existir? É mesmo difícil aceitar que nos apegamos tão vorazmente a apenas uma mera e ridícula verossimilhança do que o que acreditamos ser o real. Daí construímos o mundo e suas, nossas leis para depois desconstruirmos tudo novamente. O limite entre o poder e o dever é definido apenas pela intensidade de se querer o que se quer. Nada é intransponível.

Se é a vida este ciclo pulsante impulsionado pelo desejo, então, por que somos ensinados desde sempre a sermos tão cruéis com nós mesmos? Quem, sádico, criou para estigmatizar-nos a maldição da culpa? O medo só nos conduz pelo insípido caminho da covardia. Equilíbrio e segurança são duas coisas bem distintas, e ambas são quimeras.

É loucura tentar fugir de si mesmo.

Ela jamais acreditara quando lhe diziam que não se pode esconder do amor. Seu impar e seu ímpeto não lhe permitiam aceitar tal fatalidade e pensava que se estivesse longe o bastante, ele nunca a encontraria. Ela jamais acreditara. Mal sabia que o destino tende a ser implacável com quem descrê de suas peripécias.

Lá fora, os céus choravam incessantemente por todos os males da humanidade. Ainda assim, julgava-se segura, rainha de papel em sua torre de marfim, inalcançável. Reinava, absoluta, em seu vazio.

Temia enfrentar o que transcendia seu ínfimo conhecimento, sentia-se frágil diante tantas incertezas, inoculava em si a rara essência da pureza, pureza esta mais desdita do que dádiva. Era uma de suas fraquezas. E o mundo costuma ser crudelíssimo com quem não lhe compartilha a vilania.

Amava o silêncio.

Sempre que algo a inquietava, refugiava-se em seu mundo, onde nada nunca lhe era hostil. Em momentos assim, encontrava-se onde todos a supunham perdida, lugar onde ninguém mais podia entrar e só ela tinha a chave.

Viver é perigoso e a qualquer momento você pode perder sua alma e cair no alçapão do pecado, nas armadilhas do errado, nos precipícios de um olhar...

À noite, em seu quarto, não conseguia dominar seus pensamentos que insistiam em percorrer sempre por caminhos que levassem até Ele. Por vezes o rosto dele lhe vinha assombrar como um fantasma, então, em seu desespero forçava o sono, o que lhe era inútil, pois, nem em seus sonhos conseguiria salvar-se. Aquela face já estava gravada em sua retina. Isso a atormentara dias e noites, até que, por fim, o incluíra no livro da história de sua vida. Como não soubesse o nome dele, e nem precisava sabê-lo, chamou-o apenas por seu significado, “Meu Mistério”.

Desde cedo aprende-se a não desejar o que a outro pertença, concordo plenamente, quando o objeto de desejo em questão é, de fato, apenas um objeto, mas a um homem não se coisifica. O ser humano não é dono nem de si mesmo inteiramente, então, como pode julgar pertencer-lhe um outro? Sentimento algum, por mais precioso que seja, traz atrelado a si direito de posse. Ao amor não se domina, se conquista. Ainda assim ele era um homem proibido.

Sabia do perigo. Construía-se a cada olhar, palavra, gesto um sentimento tão maravilhoso quanto assustador, que a fazia conflitar com ela mesma e descobrir em si alguém que se opunha ao que sabia conhecer-se, como que quisesse usurpar seu tenro corpo e libertar-se das correntes da razão que o cerceava. Então uma terrível dúvida se fez em sua alma, seria este novo ser, tão antigo quanto sua própria essência, seu verdadeiro eu? Não tinha certeza se desejava encontrar alguma resposta.

A atração entre eles era inegável. Com o tempo até as palavras tornaram-se desnecessárias, estar na companhia um do outro era o suficiente.
Amava-o em silêncio.

Quando percebeu que não conseguiria mais negar o que sentia, cansara-se de lutar, decidiu fugir mais uma vez, e já não encontrara mais a segurança de outrora, seu mundo tornara-se restrito, já não mais a comportava. Estava imersamente confusa. Naquele dia, um lobo e suas mil faces tão gentis a cercaram como em matilha e a encurralaram. Eles eram ávidos, mas não a assustavam, ela se entregou sem resistência aos apelos de seus mais abnegados desejos.

A distância entre o céu e o inferno pode ser percorrida em um beijo, em um único segundo de amor.

Como ousam aviltar um sentimento tão puro atribuindo-lhe a mácula do pecado? Somente quem nunca amou pode ver no amor, dádiva divina, alguma maldade ou perdição. Sabia que por seu delicioso delito estava condenada por todas as leis. Naquela noite escrevera em seu diário, já sem nenhum pesar, “um lobo devorou meu coração”.

Encontraram-se algumas vezes sobressaltados, velados, perdidos. Mal podia controlar seus ímpetos, Ele despertava seus mais primitivos impulsos, a fazia sentir fome, desejar devorá-lo, guardá-lo de alguma forma irremediável dentro de si.

O tempo é um cruel algoz para os amantes e corre velozmente quando se deseja que seja eternidade. E longe, a saudade a consumia. “Quando Meu Mistério não está perto meu coração bate triste, apertado, como se sufocasse em peito com a vontade de estar com ele”.

Nos braços dele sentia-se protegida, tal qual uma menina, e, ao mesmo tempo desejada, já como mulher. Era como se o mundo inteiro se rendesse a ternura do momento, estavam fora de todos os contextos e suas imposições. Seu calor, seu cheiro, seu beijo, seu toque... Tudo nele lhe encantava.

E eis a natureza instável dos sentimentos.

Sentiu o coração dilacerando com a repentina distância, que acatou prontamente. Sabia que não poderia ser de outro modo. Ainda assim, percebia-se traída por sua própria natureza, e vivera apenas um sonho doce, como se a felicidade tivesse lhe sido tão somente emprestada por breves instantes fugazes.

Nem todas as histórias têm finais felizes, infelizmente. Algumas, simplesmente, jamais chegam ao fim, permanecem em suspense, numa espera eterna por algum desfecho
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